Mais uma vez aquele homem acordava em uma cama desconhecida, mas desta vez nada rola ou range em ritmo algum. Desta vez a única coisa que podia ser sentida era seu braço direito molhado, embaixo do rosto de uma mulher, da qual apenas meio rosto podia ser visto, num tom azulado graças à treva da quarta iluminada apenas pela luz da lua que atravessava a janela e iluminava a pequena faixa do quarto, da qual parte daquela pessoa fazia parte.
Uma mulher linda, pele branca e macia de cremes e mais cremes. As unhas pretas e grandes, todas roídas e quebradas. Seu cabelo se misturava com as sombras do quarto e apenas os reflexos da luz em suas gentis dobras podiam ser vistas, de tão profundo preto que eram naturalmente aquelas madeixas macias e grossas, no bom modo de dizer, como cabelo de orientais.
A lua iluminava aquele canto do quarto onde estava a cama e a chuva lá fora caindo fortemente, podia ser vista batendo contra a janela e escorrendo, e molhando por sua vez a madeira escura de ébano, a base da janela, e escorria até onde já não dava para se ver, e descia os andares da casa chegando ao chão de terra dos fundos, que exalava aquele cheiro de terra molhada e criava o clima triste que a chuva cria quando assim cai e molha tudo, e no tudo a terra fazendo parte.
O braço por sua vez, estava molhado não pela chuva, mas sim pelas lágrimas que saiam daqueles grandes e belos olhos castanhos, que ficavam esverdeados com o choro, desciam quase sem nenhum atrito pela pele daquela pessoa, e rolavam até o nariz, que era delicado achatado e delicado, sem ponta alguma. Do nariz descia até a boca, rosada, macia e volumosa, dentro da perfeição de uma mulher branca, e tudo se encaixava perfeitamente naquela face, era como o diabo, chorando por ter perdido um de seus contratantes.
A mulher havia perdido o filho, há um mês e meio, e o homem não se dava conta disso, não sabia o que estava acontecendo, apenas começou a acariciar a cabeça dela, que chegou mais perto e então ele sentiu toda aquela pele se encostar-se à sua, e se aquecer e procurar consolo em seus braços, contando o que lhe ocorrera há pouco tempo.
Ainda meio zonzo de toda aquela historia, o homem sai da cama, e vai para o banheiro do quarto. Molha o rosto, e ouve um ranger, diferente de todos já ouvidos. A casa, com partes e acabamentos, de gesso rangia a noite, pois o gesso retraia pela temperatura baixa fazendo aquele barulho. De repente outro barulho. Passos, aproximando-se cada vez mais até chegar. Ela viera para ver o q se passava com ele e buscá-lo para a cama. Ela lhe dera um beijo, para convencê-lo a voltar e mostrar o que esperava dessa vez, ardente e sensual, então o puxou.
Ele acordou no sofá de sua casa, lembrando apenas disso, às 6 horas da tarde em outro dia, outra cidade, outra realidade, mas ainda chovendo e a lua deixando tudo azul. Era outubro, dia primeiro, e ele esperava sua amada em uma semana.